“Os professores incutem muitas vezes nos alunos (inclusive
sem querer) uma falsa idéia de seriedade; uma noção duvidosa de que as coisas sérias
são graves, pesadas, e que conseqüentemente a leveza é superficial. Na verdade,
se aprende muito quando se diverte, e aqueles traços constitutivos da crônica são
um veículo privilegiado para mostrar de modo persuasivo muita coisa que,
divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das coisas” (Antonio
Candido, “A vida ao rés-do-chão”, 27).
Esta ideia que o
cotidiano pode se transformar numa coisa divina e inspiradora me destacou ao
aprender sobre o gênero da crônica. Os melhores exemplos desta transformação,
ao meu ver, são as crônicas que lemos de Clarice Lispector.
Na crônica “O milagre das
folhas”, o narrador conta sobre a experiência de ter uma folha de um árvore
cair nos cabelos dela. Quem de nós não teve essa experiência? É uma coisa tão
comum que nem pensamos muito no acontecimento. Mas se nos dermos mais atenção,
poderiamos ver nesse momento cotidiano uma coincidência tão sublime que é
milagre. Acharemos “Deus de uma grande delicadeza”.
O chicle é nossa coisa
comum que está para se transformar em “Medo da Eternidade”. O narrador, ainda muito
pequena, prova chicles pela primeira vez. Ela fica empolgada ao saber da irmã
que esta bala nunca vai se acabar. Mas, ao masticar o chicle, o gosto começa a
ficar insosso e ela começa a ter medo da ideia de alguma coisa sempre existindo. Ela deixa cair o chicle e
fica aliviada que não tem mais “o peso da eternidade sobre [ela]”.
De duas coisas
cotidianas, Clarice Lispector consegue contemplar o divino e a eternidade.