“Camilo
quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se
acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e
pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos,
remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória
delirante. Adeus escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí
foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas
e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam
ausentes um do outro” (Machado de Assis, “A Cartomante”, 28).
Nesta
passagem se consegue ouvir a voz do próprio narrador—Machado de Assis. Ele fala
até com sarcasmo, rindo um pouco das condições nas quais muitas vezes os seres
humanos se acham. Eles não têm a intenção
de fazer uma coisa, mas no final eles se deixam levar pelos seus
sentimentos. Camilo sentiu muito e pensou pouco. O Romantismo era uma época na
qual os autores valorizavam a emoção acima da razão. Se Camilo fosse criado
nesta época, ele teria sido apresentado como um herói da literatura. Porém, Machado de Assis pertence ao movimento de
Realismo, que era uma reação ao Romantismo. O realismo dava valor ao
racionalismo. “A Cartomante” poderia ser visto como um conto advertindo contra
a emoção descontrolada. As vezes, por mais difícil que seja, temos que
compreender que nossos medos são reais. Temos que confrontar nossos medos e as consequências de nossas escolhas em
vez de procurar alívio deles na irracionalidade, no sonho, na mágica.
Mesmo que o
conto é trágico, Machado de Assis mostra uma certa quantidade de humor e de
entendimento. Ele conhece as fraquezas dos homens. As compreende. Mesmo não
gostando das fraquezas e da ignorância das pessoas, ele as representa com
compreensão e empatia.
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