Thursday, September 6, 2012

"A Cartomante"


“Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro” (Machado de Assis, “A Cartomante”, 28).

Nesta passagem se consegue ouvir a voz do próprio narrador—Machado de Assis. Ele fala até com sarcasmo, rindo um pouco das condições nas quais muitas vezes os seres humanos se acham. Eles não têm a intenção de fazer uma coisa, mas no final eles se deixam levar pelos seus sentimentos. Camilo sentiu muito e pensou pouco. O Romantismo era uma época na qual os autores valorizavam a emoção acima da razão. Se Camilo fosse criado nesta época, ele teria sido apresentado como um herói da literatura. Porém,  Machado de Assis pertence ao movimento de Realismo, que era uma reação ao Romantismo. O realismo dava valor ao racionalismo. “A Cartomante” poderia ser visto como um conto advertindo contra a emoção descontrolada. As vezes, por mais difícil que seja, temos que compreender que nossos medos são reais. Temos que confrontar nossos medos e as consequências de nossas escolhas em vez de procurar alívio deles na irracionalidade, no sonho, na mágica.

Mesmo que o conto é trágico, Machado de Assis mostra uma certa quantidade de humor e de entendimento. Ele conhece as fraquezas dos homens. As compreende. Mesmo não gostando das fraquezas e da ignorância das pessoas, ele as representa com compreensão e empatia.

No comments:

Post a Comment