Bonitão: “Que é que
está esperando? Virar santo?
Rosa: Não brinque. Pelo caminho tinha uma porção de
gente querendo que ele fizesse milagre. E não duvide. Ele é capaz de acabar fazendo. Se não fosse a hora, garanto
que tinha uma romaria aqui, atrás dele” (Dias Gomes, O Pagador de Promessas,
41).
Zé-do-burro é tão humilde
e cheio de fé que não duvido que ele poderia virar santo. Além disso, por
alguma razão, é preciso que os santos sejam perseguidos antes de ser louvados. O
mundo (ou neste caso, a igreja) não gosta dos santos até depois de sua morte. As ações
dissidentes dos heróis incomodam às pessoas. A sociedade exige que eles sejam
uma coisa, e para ser herói muitas vezes tem que ir contra o que a sociedade diz—contra
a corrente. Por isso, Zé-do-burro é uma inspiração para Dias Gomes, o próprio
autor, para Rosa, e também para os capoeiristas, representando em sua dança de
guerra esta ideia de resistência às normas.
Esta citação me lembra de
outra citação que lemos na aula este semestre. No conto “A Imitação da Rosa” por Clarice Lispector, a protagonista Laura é ‘tentada’ de não se
conformar à sociedade na qual vive. Ela fala de como ‘imitar Cristo’ é perigoso
e a pior tentação. “Ela sentira que quem imitasse Cristo estaria
perdido—perdido na luz, mas perigosamente perdido. Cristo era a pior tentação” (49). Eu penso em Zé-do-burro assim—perdido na luz porque imitou Cristo tão bem que a
igreja (ironicamente) não podia o aceitar e acabou por matá-lo. Na adaptação da
peça em filme, é óbvio a conexão intencional entre Zé e Cristo—as pessoas o seguindo, e
especialmente a imagem dele morto na cruz, sendo levado finalmente dentro da
igreja de Santa Bárbara.