Thursday, September 27, 2012

A crônica


Os professores incutem muitas vezes nos alunos (inclusive sem querer) uma falsa idéia de seriedade; uma noção duvidosa de que as coisas sérias são graves, pesadas, e que conseqüentemente a leveza é superficial. Na verdade, se aprende muito quando se diverte, e aqueles traços constitutivos da crônica são um veículo privilegiado para mostrar de modo persuasivo muita coisa que, divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das coisas” (Antonio Candido, “A vida ao rés-do-chão”, 27).

Esta ideia que o cotidiano pode se transformar numa coisa divina e inspiradora me destacou ao aprender sobre o gênero da crônica. Os melhores exemplos desta transformação, ao meu ver, são as crônicas que lemos de Clarice Lispector.

Na crônica “O milagre das folhas”, o narrador conta sobre a experiência de ter uma folha de um árvore cair nos cabelos dela. Quem de nós não teve essa experiência? É uma coisa tão comum que nem pensamos muito no acontecimento. Mas se nos dermos mais atenção, poderiamos ver nesse momento cotidiano uma coincidência tão sublime que é milagre. Acharemos “Deus de uma grande delicadeza”.

O chicle é nossa coisa comum que está para se transformar em “Medo da Eternidade”. O narrador, ainda muito pequena, prova chicles pela primeira vez. Ela fica empolgada ao saber da irmã que esta bala nunca vai se acabar. Mas, ao masticar o chicle, o gosto começa a ficar insosso e ela começa a ter medo da ideia de alguma coisa sempre existindo. Ela deixa cair o chicle e fica aliviada que não tem mais “o peso da eternidade sobre [ela]”.

De duas coisas cotidianas, Clarice Lispector consegue contemplar o divino e a eternidade.

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