Thursday, September 20, 2012

"Conto (não conto)": Nós e o gorila

“Às vezes, porém, aqui é tão monótono que se imagina ver um vulto que se move por detrás dos arbustos. Alguém que passa, agachado? Um fantasma? Mas como, se há soluços? Por acaso soluçam os fantasmas? Mas o fato é que, de repente, escutam-se (ou se acredita escutar) esses lamentos, uma angústia quase silenciosa.


Ah, já sei: um menino perdido, a chorar de medo. Ou talvez um macaquinho perdido, a chorar de medo. Ah, apenas um macaquinho, vocês respiram aliviados. Mas quem disse que a dor de um macaquinho é mais justa que a dor de um menino?


Mas o que estão a imaginar? Isso aqui é apenas um menino—ou macaquinho—de papel e tinta. E, depois, se fosse de verdade, o menino poderia morrer mordido pela cobra. Ou então matar a cobra e tornar-se um homem. No caso do macaquinho, tornar-se um macacão. Um desses gorilas que batem no peito cabeludo, ameaçando a todos. Talvez porque se recordasse do medo que sentiu da cobra” (Sérgio Sant’Anna, “Conto (não conto)”, 97-98).


Ontem na biblioteca eu ouvi uma mãe explicando para seu filho que não-ficção significava que não era falsa, e a ficção significava que era falsa. Lembro-me de ter aprendido isso na primária, mas depois de uma conversa a respeito deste conto na aula, não acho mais que é bem assim. Neste conto, o narrador nos lembra vez após vez que esta história é apenas uma história fictícia. Mas, ao repetir isto, parece que ele está dizendo que é sim algo mais que apenas um conto. É algo bem real e supremamente verdadeiro.


Nós, ao ler sobre um menino soluçando, sentimos pena dele. Por quê? Se ele é apenas uma personagem no conto—apenas “papel e tinta”? Porque nós também sabemos o que é soluçar num lugar solitário. Este menino é de papel e tinta, mas ele representa muitos meninos, muitas pessoas que são de carne e osso. É a universalidade de sentimento e experiência que nos unifica a pesar do lugar ou do tempo. Nos unifica até com o macaquinho, pois qual de nós não conhece a vulnerabilidade que faz o gorila bater no peito, ameaçando ao mundo, dando a aparência de força, porque lembra bem o medo sentido ao aparecer fraco?

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