Ah, já sei: um menino perdido,
a chorar de medo. Ou talvez um macaquinho perdido, a chorar de medo. Ah, apenas
um macaquinho, vocês respiram aliviados. Mas quem disse que a dor de um
macaquinho é mais justa que a dor de um menino?
Mas o que estão a imaginar?
Isso aqui é apenas um menino—ou macaquinho—de papel e tinta. E, depois, se
fosse de verdade, o menino poderia morrer mordido pela cobra. Ou então matar a
cobra e tornar-se um homem. No caso do macaquinho, tornar-se um macacão. Um
desses gorilas que batem no peito cabeludo, ameaçando a todos. Talvez porque se
recordasse do medo que sentiu da cobra” (Sérgio Sant’Anna, “Conto (não conto)”, 97-98).
Ontem na biblioteca eu ouvi
uma mãe explicando para seu filho que não-ficção significava que não era falsa,
e a ficção significava que era falsa. Lembro-me de ter aprendido isso na
primária, mas depois de uma conversa a respeito deste conto na aula, não acho
mais que é bem assim. Neste conto, o narrador nos lembra vez após vez que esta
história é apenas uma história fictícia. Mas, ao repetir isto, parece que ele
está dizendo que é sim algo mais que apenas um conto. É algo bem real e
supremamente verdadeiro.
Nós, ao ler sobre um menino
soluçando, sentimos pena dele. Por quê? Se ele é apenas uma personagem no conto—apenas
“papel e tinta”? Porque nós também sabemos o que é soluçar num lugar solitário.
Este menino é de papel e tinta, mas ele representa muitos meninos, muitas
pessoas que são de carne e osso. É a universalidade de sentimento e experiência
que nos unifica a pesar do lugar ou do tempo. Nos unifica até com o macaquinho,
pois qual de nós não conhece a vulnerabilidade que faz o gorila bater no peito,
ameaçando ao mundo, dando a aparência de força, porque lembra bem o medo
sentido ao aparecer fraco?
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